Juventudes e formação em nossas amazônias: para muito além de um pretenso “Novo Ensino Médio”

Aprendemos, com Antônio Gramsci[1] (1991), intelectual italiano do início do século XX, que os processos formativos para as juventudes devem ser por inteiro, dando aos jovens condições para que possam ter acesso a uma amplitude de conhecimentos resultantes dos processos históricos de trabalho da humanidade, e também vivenciar os diferentes mundos das ciências e dos direitos.

Nessa perspectiva, é preciso se opor a quaisquer processos que fragmentem a formação dessas juventudes, como os que silenciam a integração dos saberes, resultantes do trabalho por elas experienciados em diferentes dimensões, com os conhecimentos escolares, impedindo, por conseguinte, o exercício de suas identidades, de suas lutas, de seus direitos e de seus processos de emancipação.

Não menos importante está também a oposição a processos que negam as condições para as mediações do trabalho docente em prol dessa formação por inteiro, tais como os que impedem a construção de mais escolas em diferentes territórios por onde se efetivam as materialidades de vida das juventudes, ou os que negam, enfim, investimentos públicos, opostos às relações público-privado, que permitam às juventudes os tempos-espaços para viverem essa formação integral.

Para essa formação, é preciso que o Estado garanta as condições para que as juventudes trabalhadoras de nossos diferentes territórios nas e das amazônias tenham uma ampla base formativa pública, gratuita e com qualidade social emancipadora, em oposição a processos de minimização dessa formação, voltados, por exemplo, à mera instrumentalização e à formação de um tipo humano flexível às necessidades do mercado. É preciso, portanto, construir uma base formativa ampla, com diferentes campos de conhecimento e garantia de tempos-espaços de aprendizagem, para que possam ser vividos pelas juventudes.

Trata-se, nesse sentido, de uma perspectiva formativa que se opõe ao discurso de empreendedorismo, de homens de negócios de si próprios, que escamoteiam as reais intencionalidades de um modo de produzir a vida que, acima de tudo, busca um pretenso consenso econômico-cultural, que, no fim, mantém as bases de opressão e as desigualdades sociais.

A formação por inteiro pressupõe espaços formativos que permitam a (re)descoberta dos conhecimentos, com suas bases históricas, que permitam a compreensão das relações produtivas, culturais, sociais, desportivas, econômicas, dentre outras dimensões, na determinação de diferentes realidades, mas com a capacidade crítica de intervenção política a partir delas.

Não se trata, entretanto, de criar espaços formativos calcados em sistemas educacionais que tendem a dispensar o trabalho docente real e que acabam, por exemplo, minimizando a formação das juventudes do Ensino Médio paraense, o que promoveria formações padronizadas, que negam a construção efetiva de escolas para povos e comunidades tradicionais das amazônias, assim como a contratação, por concurso público, também efetiva de mais docentes (para amplos campos de conhecimentos necessários à formação das juventudes) e a formulação de uma base formativa ampla, oposta ao pretensioso e falacioso “Novo Ensino Médio”.

A formação por inteiro em nossas amazônias não pode aceitar ações de formação profissional para as juventudes, como as que minimizam a base científica e promovem formações aligeiradas e indutoras de uma pretensiosa empregabilidade, que, no fundo, sustenta mais ainda as desigualdades sociais, ao colocar nos sujeitos problemas para os quais as soluções são muito mais profundas, não individuais, mas de ação coletiva, oposta aos interesses do mercado.

Para a formação por inteiro, de que nos fala Gramsci (1991), há, entretanto, necessidade de lutas contra a pretensiosa reforma do Ensino Médio e a presença da relação público-privado, que vem avançando “[…] na disputa de hegemonia na educação pública […]”, como salienta Moraes[2] (2023), impondo-se na formulação de políticas públicas educacionais.

As lutas, pois, constituem-se um imperativo, porque tanto a pretensiosa reforma do Ensino Médio como as relações público-privadas promovem a minimização da formação das juventudes, mercantilizando e interditando suas vidas[3], intensificando as desigualdades sociais.

É preciso ser interrompido “[…] imediatamente o avanço dessa sangria na escola pública da juventude brasileira”, como salienta Da Silva[4] (2023), ao discutir sobre o que fazer com esse “Novo Ensino Médio”, salientando que “Uma possibilidade seria revogar os dispositivos da Lei 13.415/17 inseridos na LDB e dela subtrair o fundamento legal que induziu à produção de tantos desacertos e problemas […]”.

 

Prof. Doriedson S. Rodrigues
Doutor em Educação
Universidade Federal do Pará
Coordenador do GT 09 – Trabalho e Educação – da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
Bolsista Produtividade CNPq

“Uma primeira versão deste trabalho, com o título “Juventudes e formação em nossas amazônias: para muito além da minimização formativa”, foi publicada no Jornal da Ciência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC. Disponível em: http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/category/edicoes/7126-1-de-marco-de-2023/.”

 

[1] GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 8ª edição. Rio de Janeiro-RJ: Civilização Brasileira, 1991.
[2] MORAES, Carmen Sylvia Vidigal. Reforma do ensino médio. Disponível em: <Reforma do ensino médio – A TERRA É REDONDA (aterraeredonda.com.br)>. Acesso: 07/03/2023.
[3] Tomamos o interditar vidas a partir de Frigotto (2004), ao tratar sobre “Juventude, trabalho e educação no Brasil […]”. In:  FRIGOTTO, Gaudêncio. Juventude, trabalho e educação no Brasil: perplexidades, desafios e perspectivas. In: NOVAES, Regina; Vannuchi, Paulo (Orgs.) Juventude e Sociedade. Trabalho, Educação, Cultura e Participação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
[4] DA SILVA, Mônica Ribeiro. Reforma ou Revogação: que fazer com o “Novo Ensino Médio”?. Disponível: < Reforma ou Revogação: Que fazer com o “Novo Ensino Médio”? | por Monica Ribeiro da Silva (UFPR) | ANPEd>. Acesso: 07/03/2023.

 

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